Para vender vinho no Brasil

Saberes do Vinho - Gilvan Passos

Compartilhe:

Segundo dados do Anuário “Vinhos do Brasil 2019”, o consumo entre nós ainda não ultrapassa os 2 litros per capita/ano. Um número pequeno considerando o imenso potencial do nosso país. No entanto, se não há motivos para comemorarmos avanços quantitativos, há motivos de sobra para fazê-lo em termos qualitativos. Para constatarmos que a qualidade do nosso consumo aumentou, basta reportarmo-nos há pouco mais de uma década atrás, quando as seções de vinhos de supermercados esboçavam, em suas prateleiras, uma quantidade de garrafas e garrafões de vinhos comuns, expressivamente superior à de vinhos finos. Hoje, esses mesmos vinhos ocupam timidamente a prateleira inferior das seções, indicando o crescimento de um consumo que vem migrando do vinho comum, dos destilados e até das cervejas para o vinho fino.

O problema do baixo consumo entre nós deve-se muito mais a razões culturais do que a poder de compra. É que bebemos pouco, por questões culturais, e por isso não nos beneficiamos da barganha comum ao consumo de larga escala, o que torna o vinho caro, inibindo, por conseguinte o consumo. Como numa roda viva uma coisa leva à outra.

Se o vírus do vinho disseminado entre os brasileiros prolifera-se de forma lenta em benefício do consumo, precisamos inoculá-lo entre os que ainda não estão infectados, mas encontram-se expostos e são simpáticos a esta cultura, ainda que por modismo. Nesse sentido, o grande desafio é vender vinho para quem ainda não é do vinho, e isso requer que sejamos proativos em todas as frentes da cadeia comercial no país. Em primeiro lugar, será necessário que todos os envolvidos no processo educativo e de venda, compreendam que vinho não é bebida alcoólica, mas um complemento alimentar, sem o qual o repasto estará incompleto. Vender bebida alcoólica, ainda que não tenhamos racionalmente consciência disso, pressupõe uma infração, e isso, por si só, já torna o nosso ofício marginal.

Do vinho não se vende à bebida alcoólica, porém o conceito abstrato que está por trás e envolve cultura, tradição, história, saúde, estilo de vida, pertencimento, sofisticação, modismo e tantas outras coisas mais. Para vender mais e melhor o vinho, não precisamos compreender o universo do vinho na íntegra, até porque isso seria impossível, todavia é essencial que sejamos um manual vivo dos vinhos que vendemos. Quero dizer com isso que o garçom tem obrigação de conhecer, na íntegra, todos os vinhos da sua carta, assim como o atendente de loja, todos os vinhos do seu portfólio.

E se são os neófitos que queremos atrair, todo conhecimento técnico deverá ser passado de forma inclusiva, jamais excludente, tornando o aprendizado da apreciação um jogo que oferece prazer jogar. Descomplicar, deselitizar e desmistificar devem ser palavras de ordem, para gerar diferencial na iniciação de novos apreciadores.

Dois outros aspectos importantes, mas subestimado nas relações comerciais são: o psicológico e o humano. Precisamos compreender a compra como a consequência de uma relação na qual o vendedor se interessasse de verdade pelo problema de consumo do cliente, escutando para compreendê-lo e sugerir o produto mais adequado.

Como vemos, para vender vinho não basta conhecer o produto, a empresa, o mercado (concorrência) e o cliente apenas. Existem vários outros aspectos envolvidos no processo que precisam ser levados em conta. A paixão pelo vinho precisa está isenta de esnobismo, e o interesse por gente é um fator determinante. Afinal, vender é lidar com gente, e para lidar com gente é fundamental gostar de gente.