Uma viagem pela Noruega em busca do bacalhau

Publicado por Rodrigo Hammer em 27 de maio de 2019

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Texto: Simone Silva

Esqueça tudo o que você acha que sabe sobre bacalhau.

Ele não é um único peixe, não se trata de um processo e muito menos de uma receita. Uma coisa é certa; o autêntico só pode vir de um lugar: a Noruega.

Jornalistas viajaram à Noruega para escrever sobre o bacalhau, principal produto de exportação do país europeu

E foi para este país nórdico europeu que viajamos no começo da primavera, a convite da Embaixada da Noruega e Conselho Norueguês de Pesca. Junto com cinco jornalistas brasileiros (do Rio, São Paulo e Rio Grande do Sul) e dois da Republica Dominicana fomos entender mais sobre o peixe e sua origem, que começa em águas geladas dos mares do círculo Polar Ártico.

O chef Roy Magne, de Ballstad; na foto ao lado, o bacalhau em processo de beneficiamento

O reino da Noruega na região da Escandinávia é o principal fornecedor de bacalhau para o Brasil, somos para eles o segundo mercado, ficando atrás apenas de Portugal. Ao contrário do que se imagina, não existe o peixe em águas lusitanas. Os lusos foram os responsáveis por difundir a iguaria gastronomicamente falando. As principais receitas são portuguesas. A mais tradicional na Noruega, mas parece uma sopa, leva molho vermelho de tomate, cebola, azeitona e batata, sendo consumida à noite, acompanhada de pão.

Bacalhau é matéria-prima para vários pratos em todo o mundo

Mas, voltando ao bacalhau. Para ser considerado como tal, ele deve ser da espécie Gadus Morhua, ser seco e salgado. Esse é o legítimo. Há ainda o Gadus Macrocephalus, o chamado bacalhau do Pacífico. As outras três espécies, cada uma com suas características de tamanho e sabor, são a Zarbo, Ling e Saithe que podem receber a designação “pescado salgado seco”, segundo até a nova legislação do Ministério da Agricultura.

Jornalistas em um das degustações de pratos com bacalhau

No ano passado a Noruega exportou para o Brasil 18 mil toneladas de bacalhau, 9.801 do tipo Saithe e 6.620 Gadus Mohua. O país exporta 95% do seu pescado, então significa que recebemos quase 20%. Em 2018 foram incríveis 91.567 toneladas distribuídos para o mundo. São Paulo é o estado que mais consome; no Nordeste, Pernambuco e Bahia. O detalhe é que o peixe tem seu pico de consumo na Páscoa e no Natal. Diferente da Republica Dominicana, por exemplo, onde faz sucesso o ano inteiro. O país caribenho é terceiro mercado para o peixe da Noruega.

Noruega exporta 95% do bacalhau que pesca; Brasil é um dos grandes compradores

PESCARIA

O bacalhau é um alimento milenar. Os vikings foram os responsáveis pela sua difusão. Eles começaram a secar ao ar livre e salgar o peixe, possibilitando levá-lo em viagens longas. O objetivo era retirar apenas a água do peixe, preservando suas proteínas, vitaminas, minerais e permitindo que ele fique fresco por mais tempo. O processo é o mesmo até hoje.

Grupo de jornalistas participou da pesca do bacalhau; na foto da direita, a jornalista potiguar Simone Silva durante a pescaria

As tradições de produção surgiram nas ilhas Lofoten, Noroeste norueguês. É para lá que seguem os cardumes na fase adulta. O melhor período de pesca vai de janeiro a março. E mesmo para quem nunca pescou, como eu, não é difícil fisgar um bacalhau. Basta jogar a linha ao mar e movimentá-la. Nem isca precisa. Em alguns minutos lá vem ele. Sabe aquela rara cabeça de bacalhau, pois é, existe, só que as vezes é retirada no barco mesmo e devolvida ao mar.

GASTRONOMIA

A cidade de Ålesund, no Oeste da Noruega, é conhecida como a capital mundial do bacalhau. Nela se encontram as maiores indústrias de transformação, normalmente familiares, e um dos principais portos de exportação. Até chegar à mesa do consumidor, o peixe pode passar até um ano na indústria. Lá pode chegar com ou sem cabeça. Uma das visões mais interessantes em torno do pescado são os hjells (fala-se i-éls), um tipo de estrutura de madeira onde o corpo ou a cabeça do bacalhau são pendurados para secar ao vento.

Vários pratos com uso do bacalhau foram apresentados aos jornalistas durante a viagem

Nas fábricas passa pelo beneficiamento e dele tudo se aproveita. É aberto, limpo e salgado. A cabeça segue para a África; a espinha, para a Ásia; o lombo para o mundo. Nos mercados e nos restaurantes pode ser encontrado sob diversas formas de apresentação, como qualquer outro peixe. Fresco, tem sabor surpreendente, macio e delicado; já a língua, bochecha e pele (frita) têm sabores pitorescos e agradáveis. Foram seis dias provando pratos variados, todos tendo a iguaria do mar da Noruega como principal ingrediente.

Um privilégio foi a visita ao Lofoten Food Studio, do chef Roy Magne, em Ballstad. Um playground de culinária, uma supercozinha onde ele recebe 10 pessoas. Fomos convidados a observar de lugares na primeira fila de sua mesa, a preparação de várias receitas, que ele executa sozinho. Limpa e prepara um bacalhau inteiro, grelha vieiras, prepara crabs e serve muito caviar. Já na pequena Henningsvær, um dos cinco restaurantes é o Lofotmat, da chef Siv Hilde, que eu rebatizei de Severina. Numa cozinha que dá para o salão ela prepara a skrei, bacalhau fresco, e utiliza receitas e técnicas aprendidas com a avó. A língua do bacalhau vira petisco, empanada e frita tem textura e gosto de merluza.

Em Ålesund, uma das mais belas cidades norueguesas, por seu estilo de construções art noveau, a pedida foi um cooking show, com almoço na Kippifish Academy, dos chefs Ole Christian e Tiago Lopes. A mistura de um norueguês e outro português rende boas surpresas, como um bacalhau grelhado ao molho de vinho, a utilização da pele frita e triturada e ainda um cerviche de Zarbo. Nas preparações, uma dica serve para todos os pratos que tenham este peixe como atração: esqueça o fogo alto e observe o tempo mínimo de cozimento. Das outras aventuras gastronômicas na região da Escandinávia merece destaque um carpaccio de baleia e um hambúrguer de alce. Sim, são gostosos.

Sem dúvida a viagem a linda Noruega e suas paisagens repletas de Fiordes – vales rochosos inundados pelo mar – e temperaturas frias, faz entender porque o bacalhau conquistou o mundo. Sua versatilidade nos pratos é ímpar. Conhecer melhor toda a indústria em torno do pescado nos deixa com a certeza de que a origem importa, e bacalhau tem que ser, obrigatoriamente, da Noruega.