O Clássico nas Harmonizações

Saberes do Vinho - Gilvan Passos

Compartilhe:

“Diga-me o que comes e eu te direi quem és”, frase foi cunhada em 1825 pelo gastrônomo francês: Jean Anthelme Brillart-Savarin, referindo-se aos prazeres de uma lauta refeição em seu tratado sobre a Fisiologia do Gosto. 
 
Ainda que de forma indireta, essa citação explica porque o europeu não tem o vinho em conta de uma bebida, porém de um complemento alimentar, tornando fácil entender esse sentimento quando se estuda a história e a geografia do vinho, o seu surgimento e sua evolução nas mais tradicionais regiões produtoras do velho mundo. 
 
O vinho europeu não é apenas elementarmente gastronômico, mas, também, historicamente gastronômico. Não é só na sua constituição que há elementos de interação como os alimentos: acidez (frescor), taninos (mais firmes), baixa alcoolicidade e menos madeira. Originado nas mais tradicionais regiões produtoras do planeta, ocorreu para consubstanciar a gastronomia local, contextualizando o modo de ser e viver de povos muito singulares. Além de estabelecer uma ligação visceral com a gastronomia local. 
 
Nesse caminho, se invocarmos a França nas combinações clássicas entre pratos e vinhos, haverá inúmeros casamentos consagrados ao longo dos séculos. O Bouillabaisse da mediterrânea Provence, no sul da França, por exemplo, casa harmonicamente bem com o expressivo rosé local; O Cassoulet do Sudoeste francês (feijoada francesa), faz par perfeito com o vinho do Madiran, apelação onde a casta tinta Tannat predomina, e o Foie Gras, uma iguaria saboreada de norte a sul do país, traça uma sinergia secular com o Sauternes, o grande vinho botrytizado de Bordeaux. 
 
A Itália, por sua vez, tem pratos em que o vinho integra a própria receita como o Cinghiale al Barolo (javali ao Barolo), que cai como uma luva com o grande Barolo, vinho tinto mais famoso do Piemonte. Isso para não falar da bruschetta (antepasto) das pastas (massas) com os mais diversos molhos e recheios e do risotto (diminutivo de riso, arroz em italiano no dialeto lombardo-piemontês, resultante de uma minestra asciutta – sopa seca) para comer alla forchetta (com garfo), que, elaborado com os mais variados ingredientes, irá combinar, em cada região, com o vinho local. E o que dizer do Vin Santo de Toscana (vinho licoroso) indissociavelmente apreciado com o cantuccini (biscoito toscano de amêndoas)? 
 
Em Portugal, observamos que o leitão à Bairrada ganha ainda mais sabor à mesa com o vinho da Bairrada. E que o bacalhau amplamente consumido no país, perfeito com o vinho ibérico, no Norte, vai com os verdes tintos, no Sul, com os alentejanos, e, no Centro, com os vinhos do Dão, em um vínculo de primo-irmão com o vinho local. 
 
Seria exaustivo abordar a lista de pratos e vinhos consagrados pelo tempo nesses países do Velho Mundo. O que nos mostra ser o vinho de cada lugarejo a metade da laranja que compõe a rica dieta desses povos tão intuitivamente sabedores da arte da boa mesa.