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O Factível e o perceptível nas harmonizações
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Quando falamos de harmonização entre alimentos e bebidas (vinho principalmente), precisamos considerar que dois aspectos são indissociáveis à nossa fala: o aspecto subjetivo e o objetivo.
O primeiro diz respeito a nós, pois apresenta relação direta com as nossas preferências pessoais, é intransferível, individual e muito particular. O segundo tem uma aplicabilidade global, porque trata-se de uma percepção com a qual todos comungamos e, independentemente das nossas preferências, torna-nos a todos comuns.
Para entender melhor a diferença entre estes dois aspectos, imagine-se adoçando um café. É obvio considerar que o nível de doçura variará consoante o gosto e a preferência individual.
Todos hão de convir que o limiar de doçura de uma pessoa apenas coincidentemente será o mesmo de outra. Há, inclusive, quem prefira apreciar o café sem açúcar. Este é, pois, um bom exemplo de aspecto subjetivo, onde o gradiente de doçura variará conforme a cultura, os hábitos, as emoções, e as experiências pregressas de cada pessoa.
Agora vamos analisar, neste mesmo contexto, o aspecto objetivo. Imagine que o gole de café bem adoçado por uma determinada pessoa, seja precedido de uma mordida em uma torrada repleta de geleia. O café, antes satisfatoriamente doce, se tornará amargo, certo? Esta é, pois, uma percepção objetiva (global), que será experimentada por todos indistintamente, independentemente do seu limiar de doçura.
Mas o fato é que o café não deixou de ser doce, ele apenas passou a ser percebido como amargo, porque a doçura maior da geleia o suplantou. É nesse princípio (da percepção), que se baseiam as mais felizes harmonizações. Neste caso o factível não conta, o que conta é o perceptível.
No caso dos vinhos isso é especialmente importante, dado que ele foi criado para tornar-se ainda melhor com os alimentos. Estudos científicos comprovam que durante a refeição ocorrem fenômenos físico-químicos na interação com a saliva (no palato), que influenciam de forma significativa a nossa percepção gustativa.
Por isso, apesar de nossa sensibilidade à doçura, acidez, amargor, ardência e adstringência ser, de todo pessoal, quando confrontados com determinados sabores que se completam ou competem entre si no palato, as nossas percepções tornam-se comuns, e é exatamente aí que reside o sucesso das harmonizações.