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Texto e fotos: Benício Siqueira
O título desta matéria é uma singela homenagem que faço a uma cidade que aprendi a amar, depois de muitas idas e vindas. O nome surgiu de uma música imortal para os argentinos, escrita por Alfredo Le Pera com melodia de Carlos Gardel, composta em 1934.
Aproveitando mais uma viagem que fiz à capital portenha, mês passado, preparei um pequeno roteiro gastronômico para mostrar que, em Buenos Aires, come-se de tudo, e muito bem, apesar da carne ser o ponto forte da gastronomia daquele país.
Durante uma semana, visitei restaurantes bem contemporâneos, descobri alguns bistrôs surpreendentes e outras casas “descoladas” e escondidas da maioria dos brasileiros.
Nas próximas páginas você confere as minhas dicas e, se estiver pensando em visitar Buenos Aires nos próximos meses, não esqueça de levar no bolso algumas dessas sugestões. Aproveite que o câmbio está favorável para nós, vá lá, confira e, depois, conte-me com foi sua experiência.
MI BUENOS AIRES QUERIDO
Mi Buenos Aires querido,
cuando yo te vuelva a ver,
no habra más penas ni olvido.El farolito de la calle en que naci
fue el sentinela de mis promesas de amor,
bajo su inquieta lucecita yo la vi
a mi pebeta luminosa como un sol.Hoy que la suerte quiere que te vuelva a ver,
ciudad porteña de mi unico querer,
oigo la queja de un bandoneón,
dentro del pecho pide rienda el corazón.Mi Buenos Aires, tierra florida
donde mi vida terminare.Bajo tu amparo no hay desengaños,
vuelan los años, se olvida el dolor.En caravana los recuerdos pasan
como una estela dulce de emoción,
quiero que sepas que al evocarte
se van las penas del corazón.Las ventanitas de mis calles de arrabal,
donde sonrie una muchachita en flor;
quiero de nuevo yo volver a contemplar
aquellos ojos que acarician al mirar.En la cortada más maleva una canción,
dice su ruego de coraje y de pasion;
una promesa y un suspirar
borro una lagrima de pena aquel cantar.Café San Juan
O Café San Juan foi a minha primeira descoberta. Mas não deixe se levar pelo nome. De café não tem nada. Trata-se de um típico bistrô, daqueles simples, com chão quadrado em preto e branco, mesas pequenas e sem cardápio e com menu apresentado em quadro-negro na mesa dos clientes.
No coração de San Telmo, bairro cheio de história e personalidade, esse bistrô surpreende pela excelente comida portenha com acento espanhol. As tapas fazem sucesso, enquanto os clientes esperam pelo prato principal, que demora a chegar às mesas, porque tudo lá é feito na hora, daí a insistência dos simpáticos garçons para que você faça seu pedido de uma vez.
O comando da cozinha é do chef Leandro Cristoball, ou simplesmente Lele, que já viveu pela Itália, França e Espanha. E toda essa experiência se reflete na comida, criativa e com muito sabor. O cara sabe realmente o que faz, e faz na frente dos próprios clientes, já que a cozinha é aberta para o salão.
Como o bistrô é pequeno – cabe apenas 34 pessoas -, recomenda-se chegar um pouco antes das 12h30, horário em que ele abre, pois a casa lota rapidamente, principalmente nos finais de semana. Por sorte, cheguei uns 20 minutos antes, em um dia de domingo, dei meu nome e, quando a porta abriu, em poucos minutos, o bistrô estava lotado e a fila se formou rapidamente do lado de fora, com uma média de espera de uma hora. A casa não trabalha com cartão de crédito, e a conta tem que ser paga em espécie. Funciona de terça a domingo, para almoço e jantar.
Como entrada, pedi uma tapa de queijo brie com tomates confitados, que estava uma delícia. A minha surpresa mesmo ficou por conta do prato principal, um Ojo de bife com chimichuri y papas salteadas com chorizo colorado y ajies. Esse prato tem tudo o que um gourmet espera de um grande chef: bonita apresentação, uma boa textura e maciez, equilíbrio entre os produtos e sabor. Sem dúvida, foi uma das melhores carnes que eu já comi em Buenos Aires, e olha que eu já comi muita carne por lá. Outro prato que provei foi um Fetuccini amarillos com pesto de rucula y castanña zuchinis grillados, tomatitos y queso de cabra. A massa encantou pela leveza e pelo ponto correto – ao dente – e o sabor do pesto de rúcula estava perfeito. E como o chef já andou pela França, não resisti e pedi de sobremesa um tradicional crème brûlée. Estava ótimo! Saí de lá muito satisfeito e fui pechinchar na feira de antiguidades de San Telmo, um dos lugares que mais gosto de visitar em Buenos Aires.
Café San Juan
Av. San Juan, 452 – San Telmo
Fone: (11) 4300-1112
Tancat
O restaurante mais inusitado do meu tour gastronômico funciona próximo ao centro financeiro de Buenos Aires, é frequentado por executivos e turistas “caçadores” de uma boa comida e, nesse caso, de comida espanhola, mais precisamente da Catalunha.
A casa funciona desde 1978 e tem um detalhe que chama a atenção: cartões de visita e cédulas de dinheiro de vários países do mundo afixados nas paredes. O ambiente é intimista com iluminação baixa e decoração retrô cheio de objetos antigos espalhados nas paredes e alguns pendurados no teto, como peças inteiras de presunto.
Ao entrar, o cliente se depara, logo, com um enorme balcão cheio de tapas, onde você pode montar seu prato de entrada e, se preferir, ficar por ali mesmo, pois esse balcão é bastante disputado pelos clientes, que lotam o restaurante todos os dias da semana. Por isso, recomenda-se fazer reserva, seja para o almoço ou jantar.
O forte do cardápio são os frutos do mar, com excelentes opções. Provei dois pratos de entrada: rabanadas de pão de campo tostadas e untadas com tomate perfumado ao alho e um Jamón crudo a la manera de Tancat – finas fatias de presunto com um toque de azeite de oliva, gotas de limão e pimenta negra moída na hora. Mas, na hora do “vamos ver mesmo”, pedi um Mixto de mar a la prancha (misto de frutos do mar na chapa) com vieiras, lulas, polvo e cogumelo portobello com salada verde e endívias. O prato não é bonito mais a comida é muito gostosa. Os Gambas al ajillo com ajos enteros também são uma boa opção e vão à mesa em uma travessa feita de barro.
Tancat
Rua Paraguay, 645 – San Nicolás
Fone: (11) 4312-5442
De segunda a sábado, das 12h
até o último cliente
Gran Bar Danzón
A entrada, uma escada iluminada por dois candelabros, dá a impressão que você está indo para o lugar errado. Se não fosse por um quadro negro afixado praticamente na calçada, dificilmente alguém encontraria esse restaurante. Mas ao entrar, essa falsa impressão fica mesmo do lado de fora.
O Grand Bar Danzón é um restaurante de alto nível, bem contemporâneo, frequentado por pessoas bonitas e elegantes, que se produzem mesmo para ir lá. Ele possui vários ambientes com decoração caprichada e uma iluminação interessante, que deixa a casa muito bonita. Tem um bar bem transado, um lounge com poltronas e sofás generosos e até um “aquário” para fumantes.
O salão do restaurante é de bom tamanho e dispõe de muitas mesas. Ainda oferece a opção da pessoa ficar acomodada confortavelmente em um balcão. A casa investe forte na carta de vinhos, uma maravilha para os enófilos de plantão. Tem vinho para todos os gostos e bolsos, dos básicos aos tops, como Catena Zapata, Cobos e Noemia. Já o cardápio é mais enxuto, com oito opções de entradas e mais oito de prato principal, além de um pequeno menu de comida japonesa.
Para começar, fui de comida japonesa, um Roll de salmon cocido y centolla muito bem feito e, de prato principal, deliciei-me com um Confit de pato crocante com redução de vinho tinto acompanhado de purê de abóbora e pistache. Adorei a minha escolha, pois o prato estava perfeito, com bela apresentação e, principalmente, pelo sabor e maciez da carne. Sobre a coxa do pato, havia uma leve textura caramelizada, conferindo um sabor agridoce. Dificilmente, eu me esquecerei dessa experiência.
Como a comida desse restaurante me surpreendeu pela qualidade, ainda tive disposição para provar um Raviole de langostinos y maiz dulce en salsa cremosa de papas y hierbas. Olha, é melhor eu não dizer mais nada. Vá lá e prove. O Gran Bar Danzón já entrou definitivamente na minha lista dos lugares preferidos em Buenos Aires.
Gran Bar Danzón
Rua Libertad, 1161 – Retiro
Fone: (11) 4811-1108
De segunda a sexta, das 19h às 2h30
Sábado e domingo, das 20h às 3h30
Milion
Funcionando em um casarão de estilo neoclássico francês de 1913, visitei esse restaurante no almoço e não me decepcionei. O cardápio também é enxuto mas a comida tem personalidade, feita pelo chef Dario Toledo, que já trabalhou com Alain Ducasse e Ferran Adrià.
O forte do almoço são os pratos executivos com entrada, principal e sobremesa. O salão principal fica no primeiro piso cujo acesso se dá através de uma escada em caracol. Esse lugar é muito bonito e merece uma visita. Pretendo voltar para jantar.
Nesse restaurante, pedi uma salada de salmão defumado com queijo brie com mix de alface e vinagre balsâmico de entrada, e um Raviole relleno de espinaca y ricota com salsa y queso parmesano para o prato principal. Tudo muito delicioso. Me chamou atenção um prato que foi servido ao lado da minha mesa, um bife de chorizo marinado em hierbas, salsa criolla y compacto de papa. Parecia muito bom, e eu, um carnívoro assumido, fiquei ‘com água na boca’.
Milion
Rua Paraná, 1048 – Recoleta
Fone: (11) 4815-9925
De segunda a sexta, das 12h às 3h
Sábado e domingo, das 20h às 3h
Dominga
Funcionando há 10 anos em Palermo Hollywood, um dos bairros mais descolados de Buenos Aires, o Dominga também foi um grande achado, seja pelo estilo do cardápio, mais fusion, ou pelo ambiente, com boa música (jazz, blues e lounge). A decoração é bonita, mas sem exageros, e com piso de madeira envelhecida, que dá um charme a mais ao lugar.
A casa é ampla e possui dois ambientes, um externo e outro interno, com muitas mesas bem distribuídas, sempre cheias de turistas e argentinos, que vão desfrutar do cardápio do chef Ignacio Ortiz, que faz uma comida excepcional, oferecendo, ainda, um menu de comida japonesa bem executada e uma razoável carta de vinhos.
Para entrada, aceitei a sugestão da simpática garçonete e provei do Carpaccio de ternera y portobellos con rúcula, limones confit y vinagreta de frutas rojas. No principal, escolhi um salmón rosado, salsa teriyaki y salteado de espinaca, portobellos y akusay.
O peixe estava soberbo e se desmanchava ao menor contato com a boca. Fiquei impressionado, pois eu nunca tinha comido um salmão com uma textura tão “aveludada” (permita-me dizer assim) e de sabor inesquecível, servido praticamente selado com o interior quase cru. É para comer de joelhos. E para não fazer feio, harmonizei esse prato com um vinho tinto Pinot Noir.
Para finalizar o jantar, escolhi um delicioso Tiramisú com calda de chocolate branco, que fez jus a fama dessa sobremesa italiana. O sabor do café estava presente, porém sutil, e a textura da “massa” parecia com a de um suflê, só que um pouco mais consistente. Muito gostoso, mesmo!
Dominga
Rua Honduras, 5618 – Palermo Hollywood
Fone: (11) 4771-4443
De segunda a sábado, das 20h a meia-noite
La Colección
Nunca tinha ido a outro restaurante em Porto Madero, que não fosse a Cabaña Las Lilas. Desta vez, fiz questão de conhecer o La Colección, que fica do outro lado do Rio da Prata, no térreo de um prédio que abriga o Museu Colección de Arte Amalia Lacroze de Fortabat. No museu há obras de grandes artistas, como Rodin, Salvador Dalí e Chagal, dentre outros.
O restaurante não é barato – ainda bem que o câmbio ajuda -, porém a qualidade da comida vale o “investimento”. Há dois ambientes, uma charmosa área externa de frente para o rio e um espaço interno com decoração clean. A casa é frequentada, principalmente no almoço, por pessoas de negócios da região, além dos abastados moradores do bairro, um dos mais bonitos de Buenos Aires. Foi o único lugar que não vi a presença de brasileiros.
No almoço, existe um cardápio executivo de primeira linha, mas não foi a minha opção. Preferi, de entrada, uma Ensalada tibia de pollo, naranjas, aceitunas, rúcula, semillas de girassol, crocante de semolin y queso parmesano. Prato generoso, que dividi com a minha esposa, Joelma Siqueira. De principal, fui de Lomo especiado con curry, papas rotas crocantes, tomates asados y vegetais. Curioso, ainda dei uma garfada no prato de Joelma, um Cordero con polenta dorada, acompanhada de compota de cebollas, vegetales, tíbia y vinagreta de pomelos. Tudo estava muito saboroso.
La Colección
Rua Olga Cossettinni, 151 –
Puerto Madero
Fone: (11) 4312-6162
De domingo a terça, almoço
De quarta a sábado, almoço e jantar
Brasserie Petanque
Encontrar um bistrô tipicamente francês, no bairro de Sant Telmo, foi uma grata surpresa para mim. A Brasserie Petanque é de um chef suíço que morava na fronteira com a França, Pascal Meyer, que abriu a casa em 2005, fazendo muito sucesso desde então.
O ambiente é de bistrô, mesmo, e a comida é mais francesa ainda. Ao olhar o cardápio, tive por alguns instantes a sensação de estar em Paris, diante das opções clássicas, como Sopa de cebola, Terrine de foie gras, Ostras frescas, Steak tartare com batatas fritas, Boeuf Bourguignon ao vinho tinto, Tarte tatin com maçãs e muitas outras coisas.
Como sou apaixonado por foie gras, não pensei duas vezes e pedi a terrine com pão de campo, que estava maravilhosa. Comi bem devagar, enquanto degustava uma taça de vinho branco Chardonnay. Como prato principal pedi um Vol-au-vent de moelas e cogumelos perfumados à morchellas. Eu provei, também, Costelas de cordeiro com alho e salsinha e gâteau provençal. E de sobremesa pedi, pela segunda vez, em Buenos Aires, um Crème Brûlée, que estava idêntico aos de Paris, tanto no sabor quanto na consistência. Parfait!
Brasserie Petanque
Rua Defensa, 596 – San Telmo
Fone: (11) 4342-7930
De domingo a sexta, almoço e jantar
Sábado, jantar
Pagano Club Social: A intimidade de um lar à sua mesa
Reservei para a minha última noite em Buenos Aires uma experiência gastronômica diferente e muito interessante. O Pagano Club Social não é um restaurante convencional. Ele funciona em um charmoso prédio de 1907, na Recoleta, e é a residência da simpática Patrícia Gonzalez Guerrico e de seus dois filhos, Jerônimo e Federica Bergada, ele chef de cozinha.
Em 2008, a família resolveu adaptar a residência para funcionar também como um restaurante, abrindo apenas de quarta a sexta através de reservas antecipadas, feitas somente por telefone, já que o endereço do local não é divulgado para o grande público.
O cardápio, que muda toda semana, fica a cargo de Jerônimo e consiste de um drink de boas vindas, couvert, entrada, prato principal, sobremesa e café, e não é do conhecimento do cliente, o que torna a proposta do Pagano um momento singular e inesquecível.
Como o trabalho é familiar, as tarefas se dividem e Patrícia fica no atendimento ao público organizando a agenda, que tem lugar para apenas 25 pessoas por noite. Já Federica trabalha o marketing do negócio e faz o atendimento nas mesas com muita simpatia durante o jantar.
Outra coisa que chama a atenção é a decoração, que vivencia um ambiente totalmente retrô, com móveis e objetos de época, a começar por uma enorme e linda foto em preto e branco de Patrícia aos 19 anos, no esplendor da juventude. As mesas e cadeiras são diferentes uma das outras, bem como os talheres, pratos e copos. Um charme, não?
E quanto custa passar algumas horas em um ambiente exclusivo e mágico como esse? Depende da sua sensibilidade, pois o jantar não tem preço fixo. No final da noite, Federica deixa um chapéu na mesa e o cliente paga o que achar que aquele momento valeu. Apenas a bebida é cobrada a parte.