Cadê o meu café?

Papo Café - Ricardo Sousa

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Fim de tarde, hora de relaxar e curtir um bom café, ouvindo uma boa música, em um local agradável. Ao pedir o cafezinho o barista te explica que aquele grão tem notas frutadas de frutas amarelas e florais brancos. Aquela informação te deixa confuso. Como assim, não é somente café? Você fica intrigado achando que adicionaram algum aromatizante àquele grão, e fica ainda mais encucado quando descobre que se trata de 100% de café torrado e puro. O que aconteceu com o tradicional café com gosto de café? De onde vêm então essas notas, esses aromas e complexidade de sabores que aparecem na xícara?
 
O café é uma das bebidas mais complexas que existem, em termo de sabor e aroma. O grão torrado possui mais de 800 moléculas voláteis, que se espalham no ar e produzem aquele cheirinho delicioso apreciado por todos. No fruto, então, existem mais de 1500 compostos químicos presentes na polpa da fruta, que são influenciados tanto pelos nutrientes presentes no solo, como pelo clima do local e altitude, até mesmo a forma de processamento da fruta pós colheita, e o tipo de torra que é realizada nas sementes; tudo isso culminando na xícara.
 
Reações químicas acontecem no ambiente do fruto cafeeiro, em condições propícias, dada a quantidade de substâncias presentes e passam para semente por osmose, transferindo toda complexidade para o grão verde (nome dado ao grão de café quando ele ainda está cru). Ao irem ao torrador, o calor faz os elementos reagirem quimicamente entre si e produzindo, na maioria das vezes, ésteres ou outros compostos voláteis que também estão presentes em outros alimentos ou produtos orgânicos já conhecidos pelo nosso olfato, como por exemplo o sabor de frutas, chocolate, tabaco, amêndoas, flores etc.
 
A Associação Americana de Cafés Especiais (SCAA) criou recentemente uma nova versão de uma roda de sabores, já utilizada há mais de 20 anos, onde se encontra incrivelmente mais de cem descrições de sabores diferentes para auxiliar baristas e degustadores a praticarem o refino do paladar e olfato, percebendo com mais facilidade as notas de sabor mais comuns de serem encontradas no café.
 
Quando se pensa no sabor do café, aqui no Brasil, a lembrança que vem a mente é o gosto do café tradicional, comumente encontrado em supermercados e afins. Esses produtos são provenientes de torras excessivas, o que resulta apenas em sabor amargo, destrói qualquer doce que existia na fruta, e evidencia o aroma de cinzas, cigarro, borracha queimada, e fumaça. Não sendo esta a melhor opção de torra para consumo de um café de qualidade. O brasileiro está muitas vezes tão habituado ao tal sabor, que estranha quando experimenta um café que preserve toda a sua complexidade de sabores e óleos essenciais.
 
Ainda bem que hoje temos cada vez mais casas especializadas em cafés de qualidade e o público consumidor desse tipo de iguaria tem aumentado bastante. Além de quererem produtos com mais requinte, estão se permitindo a novas experiências. É possível saborear cafés excelentes em ambientes pensados para isso em cada vez mais lugares ao redor do mundo e do Brasil. O que não deixa espaço para outro programa melhor para um belo fim de tarde.