Resgates culinários

Opinião - Arthur Coelho

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A culinária tem sido revisitada ultimamente com uma característica peculiar e tem deixado algumas dúvidas no ar. Devemos entender que como todo ser vivo, e a culinária é uma manifestação cultural, social, antropológica, fenomenológica, econômica e histórica, deve ser renovada e revisitada, como todo ser vido, porém deve ser levado em consideração todo sua história construída ao longo de sua existência.


A preocupação com os ingredientes fundamentais, as formas de cultivo, suas preparações, seus métodos de produções e toda cadeia que integra cultura, plantio, pesquisa, colheita, transporte, comercialização e preparação culinária, tem sido exaltada, de forma belíssima, com excelentes chefs e defensores, nos mais diversos setores, seja programas de preservação do alimento até a preservação de seus gestuais nas preparações antigas e todos os seus processos de ensino e tradição.
 
Há que se rever, que se criar ou mesmo revisitar, mas fico preocupado quando se invalida o que foi dito e transmitido durante décadas, desenhando o perfil de um povoado, localidade, região ou mesmo de um país, passando a tratar esses capítulos da culinária e gastronomia, como inomináveis e inadmissíveis de serem preparados como sempre foram. 
 
Aqui no Nordeste, temos a histórica preparação de queijos artesanais sendo questionadas por regras de legislação, invalidando todo o histórico de queijo de manteiga e de coalho preparado ate hoje! Perdeu-se a referência de cozinha caseira, transmitida de boca a ouvido, para se valorizar o uso excessivo da tecnologia gastronômica, usando como bandeira a revisitação culinária. 
 
Hoje cultiva-se o “sous-vide”, por exemplo, como salvação da pátria culinária, tudo só é bom se for preparado em “sous-vide”! Todas as gelatinizações, esferificações, suas espumas e suas modificações estruturais, são cultuadas como as mais deslumbrantes descobertas culinárias e passam a ser tratadas como a grande novidade revisitada da cozinha do povo. E o sabor? E o gestual? E o savoir-faire, savoir-vivre? Nada mais existe? Tudo foi invalidado? Todos os tachos de cobre e toda a ordenha transmitida com tantas histórias deixaram de prevalecer? 
 
Fica aqui então uma reflexão e um pedido: vamos sim revisitar nossas tradições culinárias, mas não vamos invalidar aquilo que escreveu a nossa história, não vamos tratar como “mau-feito”, feito errado, desconectado ou mesmo sem sentido, todas as histórias, gestos, palavras, procedimentos ou rotinas daqueles que conseguiram ao longo desses séculos, escrever a história desse país!
 
Dos catadores de mariscos, dos agricultores, das boleiras, das doceiras, das benzedeiras e fazedoras de comida dos orixás, de hóstias, de cozinha conventual, de todos esses grandes “escritores práticos” da nossa culinária e gastronomia temos a identidade gastronômica desse país, e assim sendo devemos resgatar essa cultura como se fosse nossa maior bandeira. Olhemos para o futuro de nossa gastronomia com olhos de visionários, mas mantenhamos nosso olhar carinhoso e respeitoso em nosso passado glorioso.