Gastronomia raiz ou Nutella?

Opinião - Arthur Coelho

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Passado o advento do “raio gourmetizador”, volta-se a se perguntar qual a melhor escolha para construirmos os cardápios dos estabelecimentos comerciais? Perdemos as referências da arte culinária, que construiu nossa história e passamos a consumir somente a “cuisine fusion”? O “design” tomou conta do sabor? Preocupamo-nos mais com a cutelaria do que com o ingrediente? Agora, vale mais a pena a foto do Instagram ou a experiência sensorial e afetiva da cozinha de raiz?
 
Será que fomos impregnados pela “moda gastronômica” e apagamos o arroz com feijão das vidas cotidianas? É certo de que comercialmente falando, buscamos atender as necessidades comerciais e a geração de lucro para viabilizar o nosso negócio. Todavia, deixar a gastronomia raiz, a culinária que embalou os corações e os estômagos dos comensais é um sacrilégio em detrimento ao reconhecimento das grandes culinaristas familiares, que são as avós, as tias, as donas de casa, que fazem milagres com ingredientes básicos e continuam a seduzir afetivamente todos nós.
 
Porém, será possível para fazer uma gastronomia mesclada entre a raiz e a “Nutella”? Não sei. Receitas tão clássicas, tão enraizadas em nossas memórias, com seus gestuais codificados e passados por tantas gerações, com as crenças cada vez mais sedimentadas, cada vez mais repetidas até a exaustão, pois se não fosse feito “daquele jeito” não daria certo!!
 
Às vezes, assisto perplexo às “releituras”, com as modificações trágicas das receitas tão clássicas, que foram perpetuadas durante várias gerações e insistentemente são chamadas com o nome original.
 
Reinventar a “roda”, gastronomicamente falando, é quase impossível! Pois aquilo que se define como uma “nova criação” é baseada, certamente, no classicismo de uma cozinha tradicional. A ousadia é necessária! A criatividade não deve ser embotada, punida ou rechaçada, porém o respeito e a valorização do ingrediente e o “modus operandi”, do gestual, do falar e do agir não ser destruido.
 
É bom consumir o “novo”, no entanto, não precisa apagar o tradicional, o clássico, o afetivo e apenas focar nas fotos para redes sociais! Caso seja importante o registro fotográfico, faça com “gosto”, com vontade, com o devaneio da lembrança dos tempos bons, das casas das mães, tias e avós!!
 
É bom valorizar também as preparações antigas, gostosas, cheias de tradição e mantenhamos a memória gustativa e afetiva desse momento maravilhoso que é alimentar-se. 
 
Novas experiências gastronômicas são bem-vindas, cheias de surpresas, independente de seus resultados, alguns inusitados ou decepcionantes, porém a experiência é válida. Aos profissionais, cabe a sensível tarefa de construir um elo entre essa gastronomia “Nutella” e a gastronomia raiz, sem duelos, sem rixas, sem desdém e sem mágoas.
 
E seguimos em frente, pois a “Ginga com Tapioca” é nossa!!! O Rio Grande do Norte e Natal merecem esse registro memorável. Precisamos mais ainda: o queijo manteiga genuíno, o queijo de coalho, a carne de sol, o alfenim…
 
Que venham outros registros, pois a gastronomia raiz merece e a gastronomia “Nutella” se inspira nela.